Os algoritmos desempenham um papel crucial nesse processo. Como afirma Ryan Broderick, "influenciadores de extrema-direita começam a aparecer, auxiliados por algoritmos que recomendam conteúdo que captura o usuário online por mais tempo. Eles usarão o Facebook, o Twitter e o YouTube para transmitir e amplificar o conteúdo e organizar campanhas de assédio e intimidação".
Um dos aspectos relevantes do livro é demonstrar como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos são utilizados para gerar engajamento nas redes sociais, substituindo o engajamento político tradicional. Nessas plataformas, "o que fundamenta o engajamento é o medo, o escândalo e a superexcitação permanentes, não importando se o conteúdo que circula é verdadeiro ou falso". Ou seja, o objetivo não é produzir consensos, mas polarizar, explorando a raiva, a cólera e o medo das pessoas.
Esses especialistas, chamados por Da Empoli de "Engenheiros do caos", compreendem o papel fundamental da internet e a utilizam de forma consciente, revolucionando a política e até mesmo decidindo eleições.
O autor cita, entre outros exemplos, o Movimento 5 Estrelas da Itália, no qual o comediante Beppe Grillo foi considerado como "o primeiro avatar de carne e osso de um partido-algorítmo". O partido foi fundado basicamente pela internet, coletando dados de eleitores e direcionando sua propaganda com base nessas informações, visando atender às suas demandas. Trata-se de um movimento de direita que cresceu significativamente na Itália.
Entre os personagens destacados no livro está Steve Bannon, que teve papel decisivo no uso dos dados da Cambridge Analytica para a vitória de Donald Trump em novembro de 2016 nos Estados Unidos e também contribuiu nas eleições de 2018 no Brasil para a campanha de Jair Bolsonaro: "Ele financiou think tanks, grupos de pesquisas destinados a estudar os malefícios do establishment, mobilizar blogueiros e trolls para dominar o debate nas redes sociais". Nesse sentido, teve êxito, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.
Outro "engenheiro do caos" mencionado é Arhur Finkelstein, "um judeu homossexual de Nova York que se tornou o conselheiro mais eficaz de Viktor Orbán, o porta-estandarte da Europa reacionária, engajado no combate impiedoso em defesa dos valores tradicionais na Hungria".
Certamente, a defesa desses "valores tradicionais" na Hungria e outros lugares, como no Brasil, é pura hipocrisia, uma estratégia para enganar e direcionar discursos a públicos específicos, garantindo sua adesão.
Em uma eleição, o objetivo é atingir eleitores indecisos, direcionando-lhes mensagens que explorem suas emoções, cultivando a cólera e polarizando a discussão. A propaganda e os discursos não visam unir em torno de um denominador comum, mas inflamar paixões no maior número possível de pessoas para, em seguida, adicioná-las a grupos e direcionar mensagens, muitas vezes sem seu consentimento. A defesa dos "valores tradicionais" é meramente estratégica, hipócrita, pois o que esses líderes buscam (e às vezes conseguem) é o poder.
Para isso, é essencial o uso sistemático de propaganda, que, como afirma Da Empoli, se alimenta de emoções negativas, pois estas garantem maior engajamento. Daí o sucesso das fake news e das teorias da conspiração. O autor cita uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts que demonstra que uma informação falsa tem, em média, 70% a mais probabilidade de ser compartilhada na internet.
O uso de mentiras e fake news é fundamental nesse processo. Diversos estudos analisam sua utilização em eleições, como "A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump", de Michiko Kakutani (Editora Intríseca, 2018) especialmente no capítulo 8, "Propaganda e fake news".
As mentiras nas redes sociais e seu uso nas eleições estão inseridas em uma narrativa política que capta os temores e as aspirações dos eleitores, enquanto os que as combatem as inserem em um discurso que não é percebido como verdadeiro. A verdade não imposta: o que vale é a mensagem que corresponde aos sentimentos dos seguidores, sentimentos esses que são percebidos, analisados e manipulados pelos "engenheiros do caos".
Outro aspecto relevante é a compreensão de que a raiva, o ressentimento e desconfiança do eleitorado são fontes de "energia colossal", passíveis de exploração eleitoral (contra partidos, políticos, corrupção, o sistema etc.). Essa estratégia não é usada apenas para vencer eleições, mas também para se manter no poder. As armas mais importantes desses populistas são a desinformação, a ignorância, e o uso sistemático de mentiras. Seus estrategistas dominam as redes sociais e as plataformas da internet, manipulando-as para garantir o engajamento contínuo de seus usuários.
Combater esses métodos é desafiador. Não basta apresentar dados, contestar fake news ou apelar para a razão, a lógica ou a sensatez. Para enfrentar a onda populista, como afirma o autor, é necessário, antes de tudo, compreendê-la, e não apenas condená-la como uma nova "era da desrazão". Também é fundamental entender que todo "o maquinário hiperpotente das redes sociais, suspenso sobre as molas mais primárias da psicologia humana, não foi concebido para nos confrontar", mas sim para manter seus usuários num estado permanente de incerteza e carência .
Uma questão crucial é saber se esses líderes, cujo estilo político é feito de ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas, raivosa, infensa à convivência com diferentes visões de mundo (como exemplificado por Donald Trump nos Estados Unidos), poderão frustrar as demandas que os elegeram e perder o apoio de seus eleitores. Será possível se contrapor aos "engenheiros do caos" que criam propagandas adaptadas à era dos selfies e das redes sociais, e que, como consequência, têm o poder de transformar a própria natureza da democracia? Como fazer isso? Esse é um desafio imenso e inadiável.