Velocidade, tempo e distância em "As Curvas da Estrada de Santos", de Roberto e Erasmo Carlos

27/04/2025

Um jeito mais lúdico de relembrar uma velha aula de Matemática ou Física

Compartilhar

Por Landim Neto, editor do site. Atualização: 27/04/2025, às 12:06

APOIE O DEVER DE CLASSE!pix@deverdeclasse.orgMais opções bancárias

prende-se nas aulas de Matemática ou Física que "velocidade" e "tempo" são inversamente proporcionais, quando uma aumenta o outro diminui, e quando um diminui, a outra aumenta. E que no Movimento Retilíneo Uniforme (MRU), a "distância" é proporcional a essas duas grandezas. Ou seja, menor será um espaço entre dois pontos, quanto maior for a velocidade e o tempo usados para percorrê-lo. E vice-versa. Simples assim.

Em "As Curvas da Estrada de Santos", Roberto e Erasmo Carlos explicam isso de maneira simples também, ao recorrer a um 'eu poético' que, perigosamente, faz digressões sobre si mesmo para lamentar um amor perdido que busca reencontrar. 

Como o poeta, contudo, é a "antena da raça", ele não precisa de conceitos e definições frias e objetivas das ciências para falar sobre o que quiser, inclusive sobre termos trabalhados na Matemática e Física

Usa, em vez disso, imagens, recurso que confere a tudo que existe um caráter lúdico, sofisticado, o que torna as coisas mais agradáveis de entender. É o que Roberto e Erasmo Carlos fazem nessa bela canção, lançada em 1969.

Continua


Siga nossos canais e receba atualizações


Roberto e Erasmo Carlos, e Wanderléa, durante a gravação do filme Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa. Foto: domínio público.



As Curvas da Estrada de Santos

Roberto e Erasmo Carlos


Os quatro primeiros versos já dão uma pista sobre os conceitos de velocidade, tempo e distância que serão abordados:

Se você pretende saber quem eu souEu posso lhe dizerEntre no meu carro na Estrada de Santos

E você vai me conhecer 

Uma das maneiras de se saber quem uma pessoa de fato é a partir de um volante de carro é observar como ela o conduz. E como estradas são distâncias, onde, comumente, velocidade maior é algo normal, quem aceitaria um convite da maneira que é feito se soubesse que a pessoa sofria por perder um grande amor? Perdas de grandes amores levam até a suicídios. E num carro — nas "curvas da estrada de Santos" — isso fica muito mais provável quando a velocidade e a distância aumentam, na proporção que o tempo diminui, o tempo inclusive que pode restar de vida, no caso.

A ideia de velocidade e de seu crescimento vai ficando mais nítida na estrofe seguinte:

Você vai pensar que euNão gosto nem mesmo de mimE que, na minha idadeSó a velocidade anda junto a mim

Como julgar se uma pessoa gosta ou não de si apenas por estar em um carro com ela? Um critério é ver, por exemplo, se comete imprudências graves, como dirigir com velocidade a mil, o que pode resultar na diminuição de seu tempo de existência terrena. É o que o eu poético revela também de forma mais direta ao citar o termo "velocidade", textualmente, no verso final.

É, contudo, nos dois primeiros versos da terceira estrofe que, a meu ver, Roberto e Erasmo Carlos abordam de forma poética mais precisa os conceitos de velocidade, tempo e distância:

Só ando sozinho e no meu caminhoO tempo é cada vez menor

(...)

Caminhos remetem a distâncias, que crescem ou diminuem à medida que tempo e velocidade também oscilam. Se o tempo é cada vez menor, é porque a velocidade, inversamente, é cada vez maior. A distancia-caminho também cresce em relação ao ponto de partida, mas 'diminui' em relação ao tempo necessário para se chegar a um ponto final, por causa da pisada mais forte no acelerador, aumento da velocidade. 

Roberto e Erasmo Carlos não precisaram dar maiores explicações ou mesmo usar de forma textual os termos "velocidade" e "distância" para dizer isso. Imagine-se você mesmo(a) em seu carro, querendo chegar mais rápido para encontrar um amor prestes a ceder aos encantos de seu/sua melhor amigo(a)... Para encurtar (em MRU) a distância  e o tempo, o que precisaria fazer? Aumentar — ainda que perigosamente — a velocidade. É isso o que os dois curtos versos ensinam, sem citar explicitamente o termo.

Os versos seguem, explorando os conceitos:

Se acaso numa curva (caminho-distância)Eu me lembro (tempo) do meu mundo (tempo particular)Eu piso mais fundo (aumento da velocidade), corrijo num segundo (tempo menor)Não posso parar (tempo-distância, pois só se para ao finalizar um determinado percurso)

Por fim, tempo, velocidade e distância através da forma:

Para expressar ideias, vivências, emoções, poetas e artistas em geral não se valem apenas de palavras ou outros signos linguísticos. A forma como uma obra é apresentada também conta. E muito. 

No caso de "As Curvas da Estrada de Santos", isso é muito presente. Se você ler/ouvir e reparar bem, o foco principal da canção é um "amor perdido", algo que só é revelado ao final da letra:

Eu prefiro as curvas da Estrada de SantosOnde eu tento esquecerUm amor que eu tive e vi pelo espelhoNa distância se perder

Mas se o amor que eu perdiEu novamente encontrarAs curvas se acabam e na Estrada de SantosEu não vou mais passar

Explicitar o foco principal ao fim da letra não é por acaso. Quando escolheram "as curvas da estrada de Santos" para tratar sobre a perda de um grande amor, Roberto e Erasmo Carlos tiveram que recorrer a digressões (distanciamentos) para conduzir o ouvinte/leitor como se ele estivesse em uma estrada e elevasse, aos poucos, a velocidade de um veículo para chegar a um ponto desejado. O tempo que se leva do primeiro verso da canção ao que aborda de forma explícita esse foco principal revela a importância métrica-poética da distância entre ambos. Afinal, nem o mais apaixonado e amante suicida chega a mil em um segundo.

Qualquer imprecisão científica quanto aos conceitos abordados, peço aí aos universitários que corrijam. Sobre os aspectos poéticos, na dúvida podem tentar falar com o Roberto, ele explica melhor. O Erasmo já está no Céu...


Compartilhar


APOIE O SITE!


Você pode gostar também: