Manuel Bandeira e o homem que, mesmo com coronavírus, não pode se isolar

24/03/2020

"O bicho" é a expressão de um mundo caótico, marcado por profundas desigualdades e muita hipocrisia.

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Foto: aplicativo Canva.
Foto: aplicativo Canva.

Por *Landim Neto. O coronavírus, através de governantes em todo o mundo, impôs toque de recolher. Os ricos e os setores médios da população estão agora alojados em suas confortáveis casas, sítios, chácaras, fazendas e apartamentos. Têm direito ao que há de melhor em comida, tecnologia, higiene pessoal e entretenimento. Pelas redes sociais, muitos destes replicam, insistentemente e até em tom policialesco, que todos precisam obedecer, para que a peste não se alastre... Continua, após o anúncio.

Há um setor, contudo, que não pode ceder a tal apelo, apelo este de fundo hipócrita, em minha opinião. A milhões de homens, mulheres, crianças e idosos não é dado o direito a seguir sequer a ditadura da Covid-19. Muitos vivem nas ruas ou nos lixões, atrás de comida. 

Outros tantos, amontoados em vilas e favelas, habitam ambientes apertados, sem conforto ou condições adequadas de higiene e alimentação. Não podem também, portanto, aderir ao confinamento, pelo menos tal como aconselham os órgãos ligados à saúde.

Em fevereiro de 1947, o poeta Manuel Bandeira publicou o poema "O bicho". (Leia, ao final do artigo). O texto é a expressão de um mundo caótico, marcado por profundas desigualdades e hipocrisia, tal como se continua a ver nos tempos atuais.

O 'bicho' do Bandeira é o homem de hoje que, mesmo com o coronavírus, não pode se isolar. Isto, naturalmente, o torna ainda mais indesejável para os muito ricos. E também para alguns dos setores médios. Estes, do alto de suas "colônias de férias domiciliares" e ignorância, não conseguem enxergar além do próprio umbigo.

*Landim Neto é editor do Dever de Classe 

 Leia o poema, após o anúncio

O bicho

Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

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De uma família de classe média, nasceu em 27 de Março de 1960, no Rio de Janeiro. Talentoso desde muito jovem, artista atuou nos vocais da famosa Legião Urbana, grupo no qual foi também vocalista, violonista e líder.