Nesse clima de grande insatisfação, somavam-se reclamações sobre a liberação de emendas parlamentares e as
exigências de maior transparência no uso desses recursos, como as estabelecidas pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Flávio Dino. As decisões, corretas e dentro da lei, foram tomadas em função de constatações
de uso indevido das emendas parlamentares, sem qualquer tipo de controle. E defende a necessidade de que a
distribuição de dinheiro público siga regras claras e transparentes e cujo destino seja sempre rastreável. Um caso
recente que serve de exemplo foi o do deputado do MDB (SP), Fabio Teruel – que votou para a derrubada do IOF ao destinar R$ 2,2 milhões de emenda para asfaltar área do condomínio onde mora em Barueri (recapeamento de
oito ruas dentro do condomínio Tamboré 1).
No dia 27 de junho de 2025, a Polícia Federal, como parte de operações que investigam o desvio de dinheiro de
emendas, cumpriu 16 mandados de busca e apreensão e prendeu dois prefeitos suspeitos de desviar dinheiro de
emendas parlamentares para municípios da Bahia.
Um relatório divulgado pelo TCE de São Paulo em dezembro de 2024, por exemplo, apontou que apenas 2 dos 644
municípios do estado fiscalizados informaram, em seus portais de transparência, o recebimento e a forma como os
recursos foram utilizados.
Nesse cenário de insatisfação de parlamentares que não querem que haja fiscalização de emendas, a votação do dia
25 de junho surpreendeu o governo, que não teve êxito em suas articulações no Parlamento. A surpresa ocorreu
porque Lula havia se reunido com o presidente da Câmara dias antes, e havia a expectativa de adiar a votação. No
entanto, ela foi realizada por decisão de Hugo Motta, sem passar pelo colégio de líderes. O resultado foi uma
grande derrota do governo. A maior do governo Lula no Congresso. Foi à segunda vez, deste o fim da ditadura em
1985, que isso aconteceu. A primeira em 1992 no governo Collor (rejeição de um secreto sobre mudanças das
regras de pagamento de precatórios).
Esta votação, foi mais uma derrota do governo, e mostrou a fragilidade da sustentação política do governo Lula no
Congresso Nacional. Nem mesmo sua base minoritária de apoio se mobilizou. O governo obteve apenas 98 votos a
favor, enquanto os votos contrários incluíram integrantes de partidos que possuem ministérios no governo, como
União Brasil, PP, Republicanos, PSD, PSB e MDB. Somados, foram 63% os votos de parlamentares com ministérios
no governo favoráveis à derrubada do IOF na Câmara dos Deputados.
O fato é que, eleito com minoria no Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados), Lula não conseguiu, ao
longo do mandato, construir uma maioria sólida e tem sofrido derrotas sucessivas. Isso se associa, neste momento,
à queda de popularidade do presidente, que, mesmo com a mudança na Secretaria de Comunicação Social, não tem
conseguido comunicar à opinião pública os inegáveis avanços do governo na área social, como a retomada e a
ampliação de políticas públicas.
Essa votação contrária ao governo não foi em favor do país, mas em defesa dos interesses dos parlamentares e dos
poderosos lobbies no Congresso. No caso específico, inviabilizou qualquer tipo de impostos sobre os mais ricos. A
proposta do governo era considerada necessária para equilibrar o Orçamento Público e atingir a meta fiscal de
2025. Para o ministro Fernando Haddad, o decreto tinha como objetivo corrigir uma injustiça, combatendo a evasão
de impostos dos mais ricos, para "equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores".
A expectativa era uma arrecadação de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões no ano seguinte. Mas, desde o
inicio, houve resistência no Parlamento, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, obrigando o Ministério
da Fazenda a recuar e propor medidas revisando as alíquotas. No entanto, não adiantou. De acordo com
declarações do ministro da Fazenda, a projeção é que a derrota em relação às novas regras do IOF significará uma
perda de R$ 10 bilhões aos cofres públicos.
E de nada adiantou também a liberação de emendas. Uma matéria publicada no jornal o Globo no dia 18 de junho
de 2025, refere-se a uma reunião do presidente Lula no dia 14 de junho e à promessa do governo de liberar mais
de R$ 500 milhões em emendas, saltando para R$ 667 milhões no dia 17. Segundo a matéria, a maior parte da
liberação foi feita nas emendas da saúde: R$ 535 milhões. E a promessa era que até o fim de junho seriam
liberados R$ 2 bilhões.
Em um artigo publicado no dia 26 de junho de 2025 no jornal GGN, intitulado "Estamos no buraco", o cientista
político Luís Felipe Miguel inicia afirmando que a derrota do governo no Congresso sobre o IOF confirma que o eixo
do poder mudou no Brasil, com uma presidência da República enfraquecida e a formação do que ele chamou de
um parlamentarismo sui generis, no qual "o Congresso manda, mas não assume responsabilidade" e que "Lula
insiste em cortejar a elite – ou talvez o termo correto seja escória – parlamentar, embora já esteja mais do que
claro de que não receberá em troca nenhum tipo de compromisso ou de lealdade. Abriu as torneiras para liberar
emendas parlamentares nos últimos dias, e o resultado foi o que vimos".
Ele sugere uma estratégia de maior confronto, como o de demitir ocupantes de cargos públicos e cortar a liberação
de verbas para os que traem o governo, aqueles que, mesmo com ministérios e cargos, votam com a oposição, e
assim "fazer com que exista algum ônus em trair os acordos com o governo".
A questão para o governo é o que fazer agora: Judicializar, defendendo no STF a inconstitucionalidade do decreto
legislativo que derrubou o aumento do IOF, alegando que não há base jurídica para tal, ou construir uma solução
política? Os ministros Fernando Haddad e a Gleisi Hoffman, assim como o ex-ministro da Justiça e advogado-geral
da União, José Eduardo Cardozo, defendem a judicialização por considerarem o decreto legislativo inconstitucional
e o PSOL ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para suspender o decreto legislativo.
Um dos possíveis desdobramentos da judicialização é a possibilidade de ampliação da crise com o Congresso,
levando a uma paralisia decisória, como já ocorreu em outros momentos da história brasileira, como no governo de
João Goulart no início dos anos 1960.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, afirmou que a Constituição só autoriza o Legislativo a sustar a atos que
extrapolam as prerrogativas do Executivo, o que não seria o caso do decreto do IOF, que está dentro das suas
atribuições. Se houver um precedente, o Congresso pode se sentir no direito de fazer o mesmo com outros decretos
do Executivo.
O que esses fatos mostram é que há mudança importante no chamado presidencialismo de coalizão, com uma
alteração substancial na relação entre Executivo e Legislativo. Este último, mais empoderado, com maior controle
do orçamento, e um governo com base parlamentar frágil, amplia o poder do Legislativo (hoje, de composição
majoritariamente de direita). Como garantir a governabilidade, considerando ainda a heterogeneidade da coalizão
que o presidente dispõe? O resultado da votação do dia 25 de junho mostra sua debilidade: apenas 98 votos,
contra 383 que votaram contra o governo.
As mudanças nas relações entre o Executivo e o Legislativo, com o fortalecimento deste, não dizem respeito apenas
a este governo, mas vêm de antes, pelo menos desde o governo Dilma Rousseff, que, apesar de todas as concessões
no segundo mandato, não conseguiu evitar o impeachment. A ampliação do poder do Legislativo aprofundou-se no
governo Bolsonaro, com o controle do orçamento através das emendas parlamentares (impositivas, individuais, por
bancada, por comissão etc.), controladas pelos presidentes da Câmara e do Senado, e continuou no governo Lula.
Em relação à derrota da votação sobre o IOF, para Luis Felipe Miguel no citado artigo, "os Gângsteres que
comandaram a derrota dos três decretos sobre o IOF, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, que são do chamado Centrão,
chegaram as seus cargos com apoio do governo. No entanto, estão prontos a inviabilizar este mesmo governo, sem
ligar para as consequências para o país".
O fato é que a votação do dia 25 de junho foram articulações em um Parlamento que tem a composição mais à
direita da história republicana, talvez o pior da história do país, que visam fundamentalmente ampliar o desgaste do
governo, não apenas no Congresso, mas também junto à opinião pública, como se o IOF fosse mais um imposto a
prejudicar a população. E pior, sem reação de Lula e do governo para explicar, didaticamente, à sociedade, o
significado desse imposto. O objetivo do presidente da Câmara, que tem atuado como uma espécie de líder da
oposição, é eleger um presidente da República apoiado por ele. Como afirma Luis Felipe Miguel, "O congresso não
ajuda o governo, muito menos ajuda a sociedade: ele achaca o governo e vira as costas para o povo".
A síntese é que o governo precisa reagir, acionando o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade
da sustação dos decretos pelo Legislativo ou com medidas alternativas que possam amenizar as consequências da
derrubada dos três decretos. E, fundamental como estratégia, informar de forma eficaz à população o que está em
jogo, como, no caso do IOF, ter como objetivo corrigir uma injustiça, combater a evasão de impostos dos mais ricos
e, como disse o ministro Fernando Haddad, "equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos
trabalhadores".