O governo Lula e o Congresso Nacional

14/07/2025

Um quadro preciso sobre as relações de poder entre deputados, senadores e o Executivo Federal

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No dia 16 de junho de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) do governo de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Eram três decretos publicados com mudanças nas alíquotas do IOF. Esse foi o início de uma derrota que culminou na votação do dia 25 de junho, a maior derrota do governo no Congresso. No dia 16, foram 346 votos favoráveis e 97 contra (são necessários 257 votos dos 513 deputados para aprovar a urgência). Já no dia 25, foram 383 a favor, 37 a mais, e 98 contrários, apenas um a mais. No Senado, no mesmo dia, com uma votação simbólica, sem necessidade de contagem de votos, foi confirmada a derrubada de três decretos. 

A rejeição aos decretos do governo expressou a grande insatisfação da maioria do Congresso Nacional em relação às mudanças nas alíquotas do IOF. O governo ainda tentou recuar em algumas medidas, mas não adiantou. Havia também insatisfação com uma decisão do Executivo de enviar uma Medida Provisória (MP) pra compensar o aumento da conta de luz, provocado pela derrubada do veto do presidente Lula ao projeto que regulamentava a geração de energia eólica em alto-mar. Um dos argumentos dos parlamentares contrários ao governo era de que se tratava de uma ação do Executivo com o objetivo de culpar o Congresso Nacional pelo aumento da conta de luz. De acordo com o governo, os vetos derrubados pelo Congresso elevaram a conta de luz em torno de R$ 35 bilhões por ano.

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Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (e) e do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (d). Foto: Ricardo Stuckert/PR.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (e) e do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (d). Foto: Ricardo Stuckert/PR.

Nesse clima de grande insatisfação, somavam-se reclamações sobre a liberação de emendas parlamentares e as exigências de maior transparência no uso desses recursos, como as estabelecidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino. As decisões, corretas e dentro da lei, foram tomadas em função de constatações de uso indevido das emendas parlamentares, sem qualquer tipo de controle. E defende a necessidade de que a distribuição de dinheiro público siga regras claras e transparentes e cujo destino seja sempre rastreável. Um caso recente que serve de exemplo foi o do deputado do MDB (SP), Fabio Teruel – que votou para a derrubada do IOF ao destinar R$ 2,2 milhões de emenda para asfaltar área do condomínio onde mora em Barueri (recapeamento de oito ruas dentro do condomínio Tamboré 1). 

No dia 27 de junho de 2025, a Polícia Federal, como parte de operações que investigam o desvio de dinheiro de emendas, cumpriu 16 mandados de busca e apreensão e prendeu dois prefeitos suspeitos de desviar dinheiro de emendas parlamentares para municípios da Bahia. 

Um relatório divulgado pelo TCE de São Paulo em dezembro de 2024, por exemplo, apontou que apenas 2 dos 644 municípios do estado fiscalizados informaram, em seus portais de transparência, o recebimento e a forma como os recursos foram utilizados. 

Nesse cenário de insatisfação de parlamentares que não querem que haja fiscalização de emendas, a votação do dia 25 de junho surpreendeu o governo, que não teve êxito em suas articulações no Parlamento. A surpresa ocorreu porque Lula havia se reunido com o presidente da Câmara dias antes, e havia a expectativa de adiar a votação. No entanto, ela foi realizada por decisão de Hugo Motta, sem passar pelo colégio de líderes. O resultado foi uma grande derrota do governo. A maior do governo Lula no Congresso. Foi à segunda vez, deste o fim da ditadura em 1985, que isso aconteceu. A primeira em 1992 no governo Collor (rejeição de um secreto sobre mudanças das regras de pagamento de precatórios).

Esta votação, foi mais uma derrota do governo, e mostrou a fragilidade da sustentação política do governo Lula no Congresso Nacional. Nem mesmo sua base minoritária de apoio se mobilizou. O governo obteve apenas 98 votos a favor, enquanto os votos contrários incluíram integrantes de partidos que possuem ministérios no governo, como União Brasil, PP, Republicanos, PSD, PSB e MDB. Somados, foram 63% os votos de parlamentares com ministérios no governo favoráveis à derrubada do IOF na Câmara dos Deputados.

O fato é que, eleito com minoria no Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados), Lula não conseguiu, ao longo do mandato, construir uma maioria sólida e tem sofrido derrotas sucessivas. Isso se associa, neste momento, à queda de popularidade do presidente, que, mesmo com a mudança na Secretaria de Comunicação Social, não tem conseguido comunicar à opinião pública os inegáveis avanços do governo na área social, como a retomada e a ampliação de políticas públicas. 

Essa votação contrária ao governo não foi em favor do país, mas em defesa dos interesses dos parlamentares e dos poderosos lobbies no Congresso. No caso específico, inviabilizou qualquer tipo de impostos sobre os mais ricos. A proposta do governo era considerada necessária para equilibrar o Orçamento Público e atingir a meta fiscal de 2025. Para o ministro Fernando Haddad, o decreto tinha como objetivo corrigir uma injustiça, combatendo a evasão de impostos dos mais ricos, para "equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores". 

A expectativa era uma arrecadação de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões no ano seguinte. Mas, desde o inicio, houve resistência no Parlamento, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, obrigando o Ministério da Fazenda a recuar e propor medidas revisando as alíquotas. No entanto, não adiantou. De acordo com declarações do ministro da Fazenda, a projeção é que a derrota em relação às novas regras do IOF significará uma perda de R$ 10 bilhões aos cofres públicos. 

E de nada adiantou também a liberação de emendas. Uma matéria publicada no jornal o Globo no dia 18 de junho de 2025, refere-se a uma reunião do presidente Lula no dia 14 de junho e à promessa do governo de liberar mais de R$ 500 milhões em emendas, saltando para R$ 667 milhões no dia 17. Segundo a matéria, a maior parte da liberação foi feita nas emendas da saúde: R$ 535 milhões. E a promessa era que até o fim de junho seriam liberados R$ 2 bilhões. 

Em um artigo publicado no dia 26 de junho de 2025 no jornal GGN, intitulado "Estamos no buraco", o cientista político Luís Felipe Miguel inicia afirmando que a derrota do governo no Congresso sobre o IOF confirma que o eixo do poder mudou no Brasil, com uma presidência da República enfraquecida e a formação do que ele chamou de um parlamentarismo sui generis, no qual "o Congresso manda, mas não assume responsabilidade" e que "Lula insiste em cortejar a elite – ou talvez o termo correto seja escória – parlamentar, embora já esteja mais do que claro de que não receberá em troca nenhum tipo de compromisso ou de lealdade. Abriu as torneiras para liberar emendas parlamentares nos últimos dias, e o resultado foi o que vimos". 

Ele sugere uma estratégia de maior confronto, como o de demitir ocupantes de cargos públicos e cortar a liberação de verbas para os que traem o governo, aqueles que, mesmo com ministérios e cargos, votam com a oposição, e assim "fazer com que exista algum ônus em trair os acordos com o governo".

A questão para o governo é o que fazer agora: Judicializar, defendendo no STF a inconstitucionalidade do decreto legislativo que derrubou o aumento do IOF, alegando que não há base jurídica para tal, ou construir uma solução política? Os ministros Fernando Haddad e a Gleisi Hoffman, assim como o ex-ministro da Justiça e advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, defendem a judicialização por considerarem o decreto legislativo inconstitucional e o PSOL ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para suspender o decreto legislativo. 

Um dos possíveis desdobramentos da judicialização é a possibilidade de ampliação da crise com o Congresso, levando a uma paralisia decisória, como já ocorreu em outros momentos da história brasileira, como no governo de João Goulart no início dos anos 1960.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, afirmou que a Constituição só autoriza o Legislativo a sustar a atos que extrapolam as prerrogativas do Executivo, o que não seria o caso do decreto do IOF, que está dentro das suas atribuições. Se houver um precedente, o Congresso pode se sentir no direito de fazer o mesmo com outros decretos do Executivo. 

O que esses fatos mostram é que há mudança importante no chamado presidencialismo de coalizão, com uma alteração substancial na relação entre Executivo e Legislativo. Este último, mais empoderado, com maior controle do orçamento, e um governo com base parlamentar frágil, amplia o poder do Legislativo (hoje, de composição majoritariamente de direita). Como garantir a governabilidade, considerando ainda a heterogeneidade da coalizão que o presidente dispõe? O resultado da votação do dia 25 de junho mostra sua debilidade: apenas 98 votos, contra 383 que votaram contra o governo. 

As mudanças nas relações entre o Executivo e o Legislativo, com o fortalecimento deste, não dizem respeito apenas a este governo, mas vêm de antes, pelo menos desde o governo Dilma Rousseff, que, apesar de todas as concessões no segundo mandato, não conseguiu evitar o impeachment. A ampliação do poder do Legislativo aprofundou-se no governo Bolsonaro, com o controle do orçamento através das emendas parlamentares (impositivas, individuais, por bancada, por comissão etc.), controladas pelos presidentes da Câmara e do Senado, e continuou no governo Lula.

Em relação à derrota da votação sobre o IOF, para Luis Felipe Miguel no citado artigo, "os Gângsteres que comandaram a derrota dos três decretos sobre o IOF, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, que são do chamado Centrão, chegaram as seus cargos com apoio do governo. No entanto, estão prontos a inviabilizar este mesmo governo, sem ligar para as consequências para o país". 

O fato é que a votação do dia 25 de junho foram articulações em um Parlamento que tem a composição mais à direita da história republicana, talvez o pior da história do país, que visam fundamentalmente ampliar o desgaste do governo, não apenas no Congresso, mas também junto à opinião pública, como se o IOF fosse mais um imposto a prejudicar a população. E pior, sem reação de Lula e do governo para explicar, didaticamente, à sociedade, o significado desse imposto. O objetivo do presidente da Câmara, que tem atuado como uma espécie de líder da oposição, é eleger um presidente da República apoiado por ele. Como afirma Luis Felipe Miguel, "O congresso não ajuda o governo, muito menos ajuda a sociedade: ele achaca o governo e vira as costas para o povo". 

A síntese é que o governo precisa reagir, acionando o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade da sustação dos decretos pelo Legislativo ou com medidas alternativas que possam amenizar as consequências da derrubada dos três decretos. E, fundamental como estratégia, informar de forma eficaz à população o que está em jogo, como, no caso do IOF, ter como objetivo corrigir uma injustiça, combater a evasão de impostos dos mais ricos e, como disse o ministro Fernando Haddad, "equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores". 

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