Supremo Tribunal Federal x Câmara dos Deputados: conflitos entre poderes?

28/05/2025

"Não se pode deslegitimar a atividade do Supremo perante o mais severo desafio à democracia em sua história recente" 

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Atualizada em 28/05/2025, às 08:05



No dia 22 de fevereiro de 2025, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma denúncia contra 34 pessoas, acusadas de atos contra os três poderes da República e contra o Estado Democrático de Direito. Os acusados são réus pelos crimes de organização criminosa armada, 

tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência, contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.

Segundo a denúncia, a organização criminosa tinha como líderes o então presidente da República, Jair Bolsonaro, e o seu candidato a vice-presidente, o general Walter Braga Neto que, aliados a outras pessoas, civis e militares, tentaram impedir, de forma coordenada, a posse do candidato vitorioso nas eleições de outubro de 2022, Luís Inácio Lula da Silva. Entre outras ações, desqualificaram o processo eleitoral, com ataques sistemáticos às urnas eletrônicas, sem apresentar provas, mantendo o discurso de fraude. No segundo turno, mapearam locais de votação para impedir eleitores, especialmente em áreas onde Lula teve mais votos, de comparecerem às urnas. Conforme documento da PGR, houve uso da estrutura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) "para obstruir o funcionamento do sistema eleitoral e minar os valores democráticos, dificultando a participação de eleitores que se presumiam contrários ao então Presidente", além de referências à elaboração de uma minuta golpista e do plano (punhal verde e amarelo) para assassinar o presidente da República, seu vice e o ministro Alexandre de Moraes.

Essas ações foram antecedidas por diversas tentativas de golpe de Estado, conforme descrito no documento da PGR, que incluíam uma estrutura de apoio à militância acampada  — com anuência do Exército — em frente aos quartéis. Um dos desdobramentos foi a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, como parte do objetivo de criar as condições para uma intervenção militar.

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Foto: Webnode.



A denúncia da PGR foi integralmente aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e no dia 19 de maio de 2025 foi iniciada a oitiva das primeiras testemunhas da Ação Penal (n.2.668) ficando o chamado Núcleo 1, considerado o núcleo crucial da tentativa de golpe. Esse grupo inclui oito integrantes: Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, Almir Garnir, ex-comandante da Marinha, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, Paulo Sergio Nogueira, ex-ministro da Defesa, Braga Neto, ex-ministro da Casa Civil e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin. Os crimes imputados são: dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

No Congresso Nacional, especialmente na Câmara dos Deputados, a posição articulou iniciativas para questionar o relatório da PGR e a decisão do STF, buscando livrar os réus das ações penais. Inicialmente, houve tentativas de anistia geral, mas elas fracassaram. Era claramente inconstitucional. Mesmo se aprovadas no Congresso, tais medidas seriam consideradas inconstitucionais pelo STF, que detém a competência para julgar esses processos, não o Parlamento.

Alguns parlamentares, principalmente do PL, argumentaram que as decisões do STF sobre o julgamento do deputado Alexandre Ramagem (PL/RJ) representava ingerência no Poder Legislativo. Eles alegaram que o STF não teria competência para julgar deputados, violando a separação de poderes e a imunidade parlamentar (parágrafo 3º do artigo 53 da Constituição) Em 7 de maio de 2025, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por 44 votos a favor e 18 contrários, um texto que suspendia toda a ação penal contra o deputado. No mesmo dia, o presidente da Câmara, Hugo Motta, encaminhou a proposta ao plenário, onde foi aprovada por 315 votos a 143 (com 4 abstenções).

A decisão da Câmara baseou-se no artigo 53, parágrafo 3º da Constituição, que trata da imunidade parlamentar. No entanto, a Emenda Constitucional n.35/2001 alterou esse artigo, estabelecendo que deputados e senadores, desde a expedição do diploma, são submetidos a julgamento perante o STF. Além disso, a imunidade só se aplica a crimes cometidos após a diplomação (ocorrida em 22 de dezembro de 2022) e não a crimes anteriores. A proposta da Câmara, porém, era ampla e não específica, buscando suspender a ação penal não apenas para Ramagem, mas também para outros réus não parlamentares, como Bolsonaro e militares.

O STF notificou a Câmara de que a suspensão só poderia ser aplicada a crimes cometidos por Ramagem após sua diplomação. Em 13 de maio de 2025, a Primeira Turma do STF iniciou a análise da ação e quatro dias depois, finalizou a votação e julgou improcedente a decisão da Câmara, mantendo a ação penal, exceto para os crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tomado, cometidos após a diplomação. O ministro relator, Alexandre de Moraes, destacou que a imunidade é personalíssima (imunidade aplicável somente ao parlamentar) e temporal (crimes praticados após a diplomação), não podendo ser estendida a outros réus ou a crimes anteriores.

No dia seguinte, Hugo Motta apresentou uma ação ao plenário do STF, alegando invasão de competência e quebra de harmonia entre os Poderes. No entanto, a decisão da Primeira Turma foi unânime e alinhada à Constituição, reafirmando o papel do STF como guardião da ordem democrática. Portanto, não houve qualquer extrapolação do Poder Judiciário. Não se está indo contra a separação de poderes, mas decidindo conforme à Constituição. Quando o STF decide que uma lei é inconstitucional não está interferindo em outro Poder, mas exercendo sua competência.

O jurista Pedro Serrano destacou que o Congresso não pode substituir o STF na interpretação constitucional, especialmente em casos graves como esse. A decisão do STF foi correta e manteve a supremacia da Constituição sobre vontades (e ações) políticas ocasionais. Como afirmou Serrano: "Não se pode, a pretexto de salvaguardar a função pública, deslegitimar a atividade do Supremo perante o mais severo desafio à democracia em sua história recente".

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