A expansão das redes digitais trouxe novos desafios, entre eles a necessidade de definir o que pode e deve ser feito para garantir a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, coibir os abusos cometidos em nome dessa liberdade.
Se o Estado deve garantir a livre expressão, não pode nem deve tolerar discursos de ódio ou violentos que ataquem pessoas e instituições democráticas responsáveis por assegurar esse direito. Ou seja, a liberdade de expressão não pode ser exercida de forma abusiva quando fere um princípio fundamental: o da dignidade humana.
Como minimizar ou impedir as condições que facilitam e estimulam o discurso de ódio? Como punir os responsáveis? A tolerância em uma sociedade democrática é fundamental, mas ela, como pressuposto, não pode tolerar o intolerante - ideias, expressões e atos que atentem contra a dignidade das pessoas e estimulem o ódio, o preconceito e a violência.
Nesse sentido, há duas questões relevantes: a necessidade de garantir a liberdade de expressão como valor fundamental da democracia e, por outro lado, a necessidade de dispor de instrumentos eficazes para combater todas as formas de violência e intolerância possibilitadas pelo ambiente digital, motivadas pelas mais variadas formas de preconceito e facilitadas pelo anonimato dos usuários.
Em relação ao uso em ambientes digitais, um documento publicado pela Fundação Getulio Vargas intitulado Discursos de ódio em ambientes digitais: definições, especificidades e contexto da discriminação on-line no Brasil a partir do Twitter e do Facebook, resultado de uma pesquisa que analisou dados de cerca de 11 milhões de postagens no Twitter e 34 mil postagens no Facebook, afirma que "as mídias digitais facilitam a hostilidade impulsiva, massiva e sem barreiras geográficas".
Expressões encontradas em postagens nas redes sociais que se identificam com a extrema direita revelam intolerância em relação àqueles que não compartilham ou não aderem às suas posições políticas, criando condições para a violência ao transformar adversários políticos em inimigos.
Uma questão relevante é identificar quais estratégias podem ser adotadas para desarticular as discriminações on-line. Que medidas de prevenção são eficazes para coibir a ocorrência do discurso de ódio ou mitigar seus efeitos e limitar seu alcance?
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estabelece que a apologia ao ódio racial, nacional e religioso constitui crime legalmente punível. Em todos os países, os grupos alvo de discursos de ódio são, em sua maioria, minorias em situação de vulnerabilidade social e econômica.
No direito penal brasileiro, o artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 criminaliza condutas que podem ser consideradas discursos de ódio, como o induzimento e a incitação à discriminação ou ao preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, bem como a injúria que utilize referências à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou com deficiência (artigo 140, § 3º, do Código Penal).
Este é o caminho: punir aqueles que utilizam as redes sociais para propagar discursos de ódio e incitação à violência. Não se pode nem se deve aceitar conteúdos que ataquem indivíduos ou grupos com base em raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, posicionamento político, religião, entre outros.
A Constituição de 1988 garante a livre manifestação do pensamento como um dos direitos fundamentais, mas tais direitos não são absolutos quando outros direitos são violados ou ameaçados.