Pesquisa, feita com mais de 14 mil pessoas, foi liderada por Naomi Ferreira, pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da USP
Trabalho escravo (ainda) é uma realidade no Brasil
Mesmo depois de quase 137 anos do fim oficial da escravidão em nosso país, trabalho escravo continua a existir
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Atualizada em 07/05/2025, às 08:01

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Entre os dias 21 e 23 de janeiro de 2025, foi realizada em Brasília a 4ª Oficina Ampliada para formulação do III Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e, a exemplo das três anteriores, com o objetivo de planejar ações, estabelecer prazos e metas a serem cumpridas. O propósito é tornar cada vez mais eficaz a política de combate ao trabalho escravo,
"além de atualizar as metas visando à adequação à atual realidade, considerando os eixos da prevenção, repressão e reinserção socioeconômica", e "solidificar os instrumentos já existentes".
Entre os participantes das oficinas, representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e instituições parceiras, como a Comissão Pastoral da Terra e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A previsão para entrega do novo plano é em abril deste ano, salientando que não é atualizado desde 2008, portanto há 17 anos, quando foi apresentada o II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pela Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE).
O fato é que depois de quase 137 anos do fim oficial da escravidão no Brasil, e 20 anos depois do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, ele continua a existir. E não apenas de brasileiros, mas também trabalhadores de outros países. Ao longo dos anos são muitas denúncias, constatações e resgates de trabalhadores submetidos a trabalhos considerados como análogos à de escravo, como entre outros exemplos, bolivianos, especialmente em oficinas de costuras em São Paulo. Em setembro de 2024, uma ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 43 trabalhadores, sem carteira assinada, sendo submetidos a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho.
E só em 1995, 107 anos depois do fim oficial da escravidão no país — o último da América a abolir o trabalho escravo — foi reconhecida oficialmente pelo governo a existência de trabalho forçado, passando a adotar a terminologia "trabalho análogo ao escravo". A principal iniciativa foi a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Em 2003, foi promulgada a Lei 10.803 que atualizou o Código Penal (de 1940), tipificando o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.
Em 2005 (19 de maio) foi lançado oficialmente em Brasília o Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo que, entre outros aspectos, destacou que "todas as formas de trabalho forçado são graves violações dos direitos humanos, condenadas expressamente por instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos".
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Trabalho escravo, entre outros locais, ocorre em fazendas de grandes proprietários rurais. Foto ilustrativa: Webnode.
O importante naquele momento foi instituir políticas públicas para combater essa grave violação dos direitos humanos, com trabalhos degradantes, riscos à vida, jornada exaustiva, em péssimas condições e servidão por dívida.
Nesse sentido, há de se destacar o papel fundamental de auditores fiscais, que ao longo desses anos enfrentaram muitas dificuldades para combater o trabalho escravo no país. Entre as dificuldades, especialmente a partir de 2016, depois do golpe (impeachment em 31 de agosto de 2016) contra a presidenta Dilma Rousseff, e nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro houve um grande retrocesso, um desmonte do sistema de proteção dos trabalhadores, com a diminuição da atuação no combate ao trabalho escravo.
Em relação ao governo Bolsonararo (2019-2022), uma matéria publicada em O Globo em 04 de julho de 2019, assinada por Gilberto Amado, intitulada "Bolsonaro e a redução do combate ao trabalho escravo" informa que em maio de 2018, em um evento em Brasília na pré-campanha presidencial com a presença de alguns prefeitos e vereadores, Bolsonaro disse que 'Tem gente do Ministério Público, do Judiciário, que entende que o trabalho análogo à escravidão também é escravo. Tem de botar um ponto final nisso. Análogo é uma coisa e escravo é outra'. Um ano depois, já na condição de presidente da República, 'apoiado por dez a cada dez ruralistas', reduziu em 57% o número de operações de combate ao trabalho escravo e cortou em um terço o orçamento da Secretaria de Trabalho". (O Ministério do Trabalho foi extinto no início do governo e a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, passou a ser subordinada ao Ministério da Economia).
A matéria se refere aos 238 relatórios de fiscalização feitos em 2018 "obtidos pela coluna por meio da Lei de Acesso à Informação, e que compõem o terrível painel do trabalho escravo no Brasil rural e urbano — negado por Bolsonaro". E que de janeiro a maio de 2019 foram realizadas 54 operações, sendo que em 2018 foram 127 no mesmo período. Um ano antes, em 2017, foram 107. Pelos dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, nos cinco primeiros meses da gestão de Bolsonaro, 232 trabalhadores foram resgatados, e que no mesmo período em 2018, foram 994, e 1.745 em todo o ano.
O esvaziamento desses órgãos de combate ao trabalho escravo fez parte de um processo cujo resultado foi a diminuição das fiscalizações e resgates de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão. Também medidas contra a participação da sociedade civil, e expressão disso, em relação ao trabalho escravo, foi a diminuição de 50% da composição da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), cujo objetivo é justamente elaborar e fiscalizar um Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
E o processo de desmonte continuou nos anos seguintes. No dia 1 de maio de 2021, durante a realização da 86ª edição da ExpoZebu Bolsonaro afirmou que a Emenda Constitucional (EC) n. 81 de 2014, que pune com expropriação a propriedade rural que pratica trabalho escravo, promulgada pelo Congresso Nacional, não seria regulamentada em seu governo (embora aprovada, precisava de regulamentação por meio de uma lei complementar para definir o que seria considerado trabalho escravo). Para ele, a emenda deveria ser revisada "pois torna 'vulnerável' a questão da propriedade privada no Brasil".
Em 2021, conforme matéria publicada no g1 no dia 2 de março de 2023 por Kevin Lima: "Em 2021, sob o governo Bolsonaro, a Controladoria-Geral da União (CGU) dificultou o acesso a dados dos autos de infração das empresas autuadas por trabalho análogo à escravidão".
Em 2022, embora tenha dificultado o acesso a dados relacionados à lista de empresas autuadas por trabalho análogo à de escravo, foram resgatados 2.575 trabalhadores, o maior número desde 2013, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego publicado em 2023 (Minas Gerais, desde 2013, é o estado com maior número de operações e resgatados. Só em 2022 foram 1.070 resgatados).
Em 2023, no primeiro ano do governo Lula foram retomadas as fiscalizações em lugares nos quais havia denúncias da existência de trabalhadores em condições análogas à de escravo. Foram 1.035 ações fiscais, resgatando 2.004 pessoas.
Em outubro de 2024, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, publicou a atualização do Cadastro de Empregadores que foram flagrados com trabalhadores a condições análogas à de escravo, a "Lista Suja", na qual 176 empregadores foram incluídos, sendo 20 por práticas de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico.
No dia 28 de janeiro de 2025, quando se completa 30 anos da criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), foi divulgado pelo Ministério do Trabalho e da Cidadania, que já foram realizadas mais de oito mil operações e resgatadas 65,6 mil pessoas em condições análogas à de escravo.
Entre as atividades econômicas, de acordo com a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), com maior número de resgatados são a construção civil, cultivo de café, cultivo de cebola, serviços de preparação de terreno, cultivo e colheita, e horticultura. Houve também resgates em trabalhos na produção de carvão vegetal, a criação de bovinos e a extração de minerais.
Uma participação importante nesse processo de combate ao trabalho escravo no Brasil é o da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que criou a campanha "De Olho Aberto para Não Virar Escravo". Criada em 1997, com a participação fundamental de Dom Pedro Casaldáliga. Por ocasião dos 25 anos, em 2022, publicou um documento no qual, entre outras coisas, afirma que "A escravidão moderna perdura, pois perdura o sistema que, com ela, alimenta seus lucros insaciáveis, beneficiando-se da proteção de políticas cúmplices, como de políticos sócios das violações que quase sempre convivem com o Trabalho Escravo, especialmente nos territórios apropriados pelo agronegócio: grilagem de terra, desmatamento e destruição ambiental, crime organizado, garimpo e mineração ilegais, envenenamento (de terras e territórios), destruição dos ecossistemas, discriminação, racismo (sim! ainda hoje, escravidão tem cor!)".
O Brasil integra a Aliança 8.7, uma iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) criada para apoiar o cumprimento da Meta 8.7 da Agenda 2030 da ONU. Lançada em setembro de 2016 em Nova York, se trata de "uma iniciativa que unirá todos os atores interessados em lutar pelo cumprimento da meta de erradicar o trabalho forçado, a escravidão moderna, o tráfico de pessoas e o trabalho infantil do mundo até 2030, estabelecida pela Agenda 2030 da ONU".
O objetivo é que os países acelerem seus esforços para alcançar a meta de "consolidar a Estratégia Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e erradicar o trabalho escravo no Brasil". Nesse sentido, exige ações permanentes do Estado, com políticas públicas que possam garantir condições dignas de trabalho a todos e cumprindo o artigo 149 do Código Penal, que prevê como crime a redução de uma pessoa à condição análoga à de escravo, com jornadas exaustivas ou forçadas por dívidas (servidão por dívida), condições degradantes e restrição à locomoção.
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