O Projeto de Lei da devastação
"A aprovação do PL da Devastação ameaça a liderança do Brasil nas negociações internacionais sobre o clima, além de colocar em risco parcerias comerciais"
"A aprovação do PL da Devastação ameaça a liderança do Brasil nas negociações internacionais sobre o clima, além de colocar em risco parcerias comerciais"
João R P Landim Nt
Artigos desse autor / Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, afirmou, durante uma reunião com o presidente da República e outros ministros, sem ser contestado, que se deveria aproveitar a pandemia da covid-19 para "ir passando a boiada". A aprovação, na madrugada de 17 de julho de 2025, do PL 2.159/2021 — que institui a Lei Geral de Licenciamento Ambiental – representou a materialização dessa estratégia: foram aprovadas 29 das 32 emendas propostas, flexibilizando regras e permitindo a dispensa de licenciamento para diversas atividades, especialmente no setor agropecuário.
Por seu conteúdo e consequências, o projeto foi apropriadamente apelidado por ambientalistas como "PL da devastação" ou "mãe de todas as boiadas". Como afirmou a jornalista e escritora Eliane Brum: "a boiada está passando, e os bois rumo ao matadouro somos nós e nossos filhos".
O projeto foi aprovado no Senado com 54 votos a favor e 13 contra. Como sofreu modificações, retornou à Câmara, onde foi aprovado por 276 votos a favor e 116 contra.
O PL teve origem em 2004, com o PL n. 3729, por iniciativa dos deputados Luciano Zica (PT/SP), Walter Pinheiro(PT/BA) e Zezéu Ribeiro (PT/BA). Seu objetivo era estabelecer "normas gerais para o licenciamento de atividade ou de empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz de causar degradação do meio ambiente". Entre outras medidas, previa a revogação de dispositivos da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988.
Continua
Ao longo de 21 anos, o projeto recebeu diversas emendas. Em 2021, passou a tramitar comoa PL n.2.159, com o objetivo declarado de criar regras nacionais mais uniformes para os procedimentos e prazos de emissão de licenças ambientais, substituindo a atual regulamentação baseada na Resolução CONAMA nº 237/1997 e em normas estaduais.
Atualmente, o licenciamento ambiental no Brasil segue um modelo trifásico: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO). Esse processo, que exige estudos detalhados de impacto ambiental. A justificativa para a sua aprovação do novo PL é que ele moderniza o licenciamento, conferindo maior segurança jurídica à regulação e agilidade aos processos.
Na prática, porém, como alertam ambientalistas e cerca de 350 entidades da sociedade civil – entre elas a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Observatório do Clima - o PL representa "o mais grave retrocesso do sistema ambiental do pais". O MapBiomas, rede de instituições acadêmicas e tecnológicas criada em 2015 e referência internacional em dados sobre biomas também se posicionaram contra o PL.
Organizações internacionais como Greenpeace e WWF (World Wide Fund for Nature) também condenaram o projeto. Em nota divulgada pelo Brasil de Fato, a WWF afirmou "Em pleno ano da COP30, que será realizada em Belém (PA) em novembro, o Congresso escolheu passar a 'mãe de todas as boiadas', ao invés de avançar no enfrentamento da crise climática. A aprovação do PL da Devastação ameaça a liderança do Brasil nas negociações internacionais sobre o clima, além de colocar em risco parcerias comerciais e o acesso a financiamentos que exigem o cumprimento de salvaguardas socioambientais".
Segundo a matéria publicada em 17 de julho de 2025 e assinada por Rodrigo Chagas, as emendas incluídas pelo Senado agravaram ainda mais os impactos do PL. Entre os principais retrocessos estão:
. Inclusão de grandes empreendimentos de mineração na dispensa de licenciamento;
. Criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que permite licenças em fase única para projetos "estratégicos" definidos pelo governo;
. Permissão para obras viárias em áreas ambientalmente sensíveis, sem avaliação de impactos indiretos.
Além disso, o texto desvincula o licenciamento da outorga de uso da água e da regularização do solo, enfraquecendo a gestão ambiental integrada e aumentando o risco de degradação e conflitos. Também foram flexibilizados regras para projetos de 'segurança energética', com critérios genéricos que favorecem o licenciamento de empreendimentos altamente poluentes. A revogação de trechos da Lei da Mata Atlântica permite o desmatamento em áreas maduras do bioma, inclusive em zonas urbanas, ameaçando compromissos climáticos assumidos pelo país "colocando em risco um bioma essencial para a estabilidade climática, o abastecimento de água e a biodiversidade no país".
Outro ponto crítico é a proposta de ampliação de Licença por Adesão e Compromisso (LAC), modelo de simplificado de licenciamento ambiental no qual o empreendedor apenas declara cumprir os requisitos legais, sem análise técnica prévia dos órgãos ambientais. O STF já decidiu pela inconstitucionalidade da LAC para atividades de médio impacto ambiental, o que coloca o PL em confronto direito com essa decisão.
O projeto também prevê a liberação para empreendimentos agrícolas apenas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) mesmo que este não tenha sido homologado. Além disso, dispensa estudos de impacto ambiental ao permitir que licenças sejam emitidas por estado e municípios, sem a análise de órgãos como IBAMA, ICMBio e FUNAI. As autodeclarações dos empreendedores substituiriam os pareceres técnicos, esvaziando o papel do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).
As consequências podem incluir aumento do desmatamento, invasão de terras indígenas e territórios quilombolas (inclusive áreas ainda não homologas), expansão de monoculturas predatórias, danos a sítios arqueológicos e projetos de mineração em áreas sensíveis (como terras indígenas). Isso compromete a sustentabilidade dos ecossistemas e afeta diretamente a saúde humana, especialmente com o aumento de queimadas e a degradação da qualidade do ar e da água.
A aprovação do PL representa um retrocesso sem precedentes. A fiscalização deixa de ser responsabilidade dos órgãos ambientais e passa a depender exclusivamente da boa-fé do empreendedor.
O projeto foi aprovado a apenas quatro meses da realização da COP 30, conferência em que líderes mundiais discutirão soluções para a crise climática, a ser realizada em Belém (PA).
O Brasil é signatário de diversos acordos internacionais de proteção ambiental, como o Acordo de Paris, a Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal, que exigem ações efetivas na regulação de substâncias e práticas nocivas ao meio ambiente.
O presidente Lula tem até o dia 8 de agosto de 2025 para sancionar ou vetar o PL. Ele foi eleito sob a promessa de priorizar a pauta ambiental, e a expectativa de ambientalistas, e entidades da sociedade civil é de veto integral.
Como afirmou a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, ao se posicionar contra o aprovado pelo Congresso Nacional, o PL representa a desestruturação do regramento existente, e um risco à segurança ambiental e social do país, além de um desrespeito à Constituição e às conquistas da legislação ambiental brasileira.
A aprovação do PL foi uma vitória do agronegócio, impulsionada por uma maioria parlamentar de direita e extrema direita. Nesse contexto, as eleições do próximo ano serão decisivas. A manutenção dessa composição legislativa poderá ampliar não apenas os retrocessos ambientais, mas também sociais. O Instituto Democracia e Sustentabilidade, que monitora a pauta ambiental no Congresso, apontou uma redução significativa no número de deputados comprometidos com a agenda ambientalista nas eleições de 2022 – e o resultado da votação deste projeto reflete essa mudança. É urgente eleger parlamentares comprometidos com o país e com a preservação do meio ambiente.
João R P Landim Nt
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