Tomar a qualquer custo o mandato do parlamentar do PSOL virou questão de honra para o ex-presidente da Câmara; só que é honra típica de bandido
O triunfo do fisiologismo
Prática é uma velha marca das eleições no Brasil
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Atualizada em 02/05/2025, às 08:30

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Fisiologismo, segundo o Dicionário Houaiss é "conduta ou prática de certos representantes e servidores públicos que visa à
satisfação de interesses ou vantagens pessoais ou partidários, em detrimento do bem comum". Compreendida nestes termos, de favorecimentos privados utilizando-se de cargos públicos ou políticos (representantes) é uma prática recorrente não apenas de "certos representantes e servidores públicos" como muito utilizadas, historicamente, em eleições.
Na eleição de outubro de 2024, o fisiologismo, associada ao nepotismo como o uso da "máquina administrativa" de detentores de poderes locais, associada ao uso de emendas parlamentares., as conveniências locais e em alguns estados, o apoio de governadores a seus aliados, foram fatores talvez mais relevantes que explicam, em grande parte, o alto índice de reeleição de prefeito(a)s (e, em menor proporção, também de vereadore(a)s. Segundo um estudo divulgado pela Confederação Nacional de Municípios o índice de reeleição de prefeitos foi de 82% (2.461 dos 3.006 candidatos que concorreram à reeleição, oito em cada dez candidatos), a maior da histórica republicana (em 2020, foi de 64%, que tinha sido a maior).
Em relação aos impactos das emendas pix , uma matéria publicada no jornal O Globo por Dimitrius Dantas no dia 28/10/2024 Taxa de reeleição nas cidades mais contempladas com emendas Pix chega a 93,7% diz que "oficialmente conhecidas como 'transferências especiais', permite o repasse de recursos para municípios sem a necessidade de um convênio ou termo de fomento, ou seja, o dinheiro é enviado diretamente para os cofres municipais e prefeitos podem gastar a verba federal livremente". Dos 112 municípios que mais receberam recursos e nos quais os prefeitos disputaram a eleição, 105 foram reeleitos (93,7%).
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Negociatas de bastidores, em gabinetes luxuosos, são muito comuns durante eleições no Brasil. Foto meramente ilustrativa: Webnode.
O Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social (blogbvps) publicou a série especial Poder Local e Eleições Municipais, com três textos, entre eles: A polarização e as eleições municipais de 2024, de Josué Medeiros (UFRJ/UFRRJ) e Rennan Pimentel (IESP/UERJ). O artigo faz ao Monitoramento Eleitoral do Observatório Político e Eleitoral (OPEL), o qual Josué Medeiros é coordenador e desenvolve um projeto de pesquisa sobre eleições e o texto tem por objetivo apresentar um primeiro esboço " um balanço tanto geral como específico para uma interpretação da eleição que foram marcadas pela polarização entre democracia e autoritarismo e, também, pelas dinâmicas regionais, locais e temáticas que se apresentaram ao longo do pleito municipal de 2024".
Para Josué Medeiros, em artigo publicado na revista Carta Capital no dia 28 de outubro de 2024 José Medeiros afirma que a principal boa notícia da eleição foi a derrota do bolsonarismo em várias capitais que "reflete para uma boa parte do eleitorado, uma rejeição ao projeto extremista semelhante à que prevaleceu nas eleições presidenciais de 2022 quando Lula venceu Bolsonaro".
Uma das afirmativas do artigo sobre a polarização na eleição municipal de 2024 é a atual política brasileira tem como uma de suas características uma polarização "que vai além das eleições, abrangendo aspectos políticos e sociais, e envolvendo um embate entre democracia e autoritarismo" e que "É impossível interpretar esses resultados e explicar a força do bolsonarismo sem aceitar que a polarização política e eleitoral se impôs" e que "embora o ponto de chegada da disputa eleitoral seja o confronto entre duas propostas de Brasil, o ponto de partida e todo o seu desenvolvimento são marcados por um caldeirão de lutas, conflitos, convergências, acordos e composições entre muitos 'brasis' que pulsam em nossas cidades e no campo, nas periferias e nas praças, nas redes e nas ruas".
Há diversos aspectos a considerar, inclusive quanto ao uso do termo "polarização" que trata da divisão de opiniões, ideias políticas e ideológicas em extremos opostos, ou seja, esquerda x direita e extrema direita e mesmo considerando o avanço dos partidos da direita tradicional – PSD e MDB (com 877 e 861 prefeituras conquistadas, respectivamente), e da extrema direita, como o PL que passou de 351 para 517 prefeituras - é possível afirmar, com a diversidade do país e os resultados na eleição para vereadores e prefeitos das cidades tanto das capitais quanto do interior dos estados que houve um embate entre democracia e autoritarismo?
O PSD, por exemplo, dos partidos do chamado Centrão, é aliado de ambos os lados da "polarização" (é o partido de Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, apoiado pelo PT e que venceu a eleição no primeiro turno) e em São Paulo no qual o PSD foi um dos 12 partidos que apoiaram Ricardo Nunes. Além do MDB, PL, Podemos, Republicanos, União Brasil (fusão do PSL e DEM) , Avante, Solidariedade (que incorporou o PROS), Agir, PRD (fusão do PTB e Patriotas) e Mobiliza.
E para evidenciar a diversidade das alianças e coligações no país, alguns exemplos: em Fortaleza, Evandro Leitão do PT, foi eleito com a Coligação Juntos Fortaleza Pode Muito Mais que teve o apoio do PSD, Republicanos e MDB, que apoiaram Ricardo Nunes em São Paulo e compuseram também outras coligações, tanto com o PT como com o PL (Em Fortaleza, a coligação incluiu também o PC do B, PV, - que junto com o PT integram a Federação Brasil da Esperança- PP e PSB).
No Rio, o PSD de Eduardo Paes contou com o apoio de outras 11 legendas: Podemos, PRD, DC, AGIR, Solidariedade, Avante, PSB, PDT e da Federação PT, PC do B e PV.
Em Belém, Igor Normando, do MDB, foi eleito com a coligação Levanta Belém, com apoio de mais 8 partidos: PSB, PRD, União Brasil , PDT, PP, PSD,e da Federação PSDB - Cidadania.
Em Belo Horizonte Fuad Norman do PSD, foi eleito com o apoio do PRD, União Brasil, a Federação PSDB-Cidadania, Solidariedade, Avante e Agir, a maior quantidade de partidos aliados na coligação para a disputa pela prefeitura.
Com os dados disponíveis é possível afirmar que os eleitores se definiram nestas eleições entre a defesa da democracia versus os que defenderam uma ditadura ou, nos termos do artigo, o autoritarismo? Ou diz respeito mais à dinâmica da disputa eleitoral nessas cidades nas quais prevaleceu o fisiologismo, o nepotismo, o uso da máquina partidária e, em alguns casos, o papel decisivo de governadores do que a disputa entre democracia e autoritarismo, entre a esquerda e a direita tradicional e a extrema direita?
No artigo Reflexões sobre as eleições municipais de 2024, publicado na Teoria e Debate, edição 249 Antônio Augusto de Queiroz - jornalista, analista e consultor político - afirma e a meu juízo, com razão, que "A eleição de 2024 marcou uma reafirmação da política local tradicional, com forte influência do poder econômico, dos arranjos partidários e das políticas públicas de repasse de recursos via emendas impositivas".
E que a reeleição de um número tão expressivo de prefeitos (um recorde histórico) e também de vereadores (em menor proporção, mas também com alta taxa de reeleição) " em grande medida, retornaram ao padrão tradicional de normalidade democrática, com a valorização das realizações, do diálogo, da experiência, da estrutura de campanha, inclusive financeira, e do compromisso com os interesses locais." E se refere ainda a " limitada influência das redes sociais e da polarização lulismo versus bolsonarismo que contribuiu para esse cenário. As emendas impositivas, bem como o aumento significativo dos fundos eleitorais e partidários, ajudaram na continuidade do Centrão como força política hegemônica, mesmo que fragmentada em partidos com diferentes posições em relação ao governo federal.
O fato é que nem Lula (que não está do outro lado da polarização, até mesmo em função da frente ampla que o elegeu e da coalizão de apoio no Congresso Nacional), nem tampouco Bolsonaro conseguiram, como "cabos eleitorais", fazer a transferência de votos para seus candidatos (Bolsonaro ainda tem protagonismo na política nacional, considerando que seu partido, o PL, cresceu em número de prefeituras, mas o PT também cresceu, mas só ganhou em uma prefeitura nas capitais (Fortaleza) e Bolsonaro não conseguiu eleger os candidatos que apoiou em sete das 15 capitais onde houve segundo turno: Curitiba, Belo Horizonte, João Pessoa, Fortaleza, Belém, Manaus e Goiânia (onde estava no dia da eleição) e nas demais, candidatos bolsonaristas, venceram em Cuiabá, Aracaju, Natal e São Paulo (nesse caso, divididos).
E em função das mais distintas coligações para as eleições, creio não ser possível se afirmar que existe um projeto extremista, mesmo considerando as cidades onde a direita tradicional e a extrema direita foram vitoriosas, não há um projeto articulado nacionalmente (que o bolsonarismo não possui) e foram muito mais focados na resolução de problemas (pelo menos em termos de propaganda eleitoral) na dinâmica local nas respectivas cidades, ou seja, a articulação de grupos que foram aglutinados em torno de demandas clientelistas, do fisiologismo e nepotismo relegando a agenda ideológica para segundo plano.
Outro aspecto, diz respeito à composição das Câmaras de vereadores. Considerando apenas as capitais, há situações muitos diferentes. Há prefeituras que serão necessárias negociações para compor maioria como em Fortaleza, na qual a coligação de Evandro Leitão(PT) elegeu apenas 15 dos 43 vereadores. Outras terão mais facilidade, como os prefeitos eleitos de Rio de Janeiro, Eduardo Paes, Ricardo Nunes de São Paulo, João Campos em Recife e Paulinho Freire em Natal, por exemplo, que terão folgada maioria.
Um dos fatores relevantes desta eleição (como também de outras) é o fisiologismo associado ao nepotismo. O que explica a permanência deles na política brasileira? A meu juízo há pelo menos duas referências importantes para se compreender: os livros Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936 e Os donos do poder de Raymundo Faoro, publicado em 1958. Apesar do tempo em que foram publicados, permanecem como referências para se compreender alguns aspectos que permanecem na política brasileira.
Ambos mostram como se constituiu no país uma cultura política personalista na qual não há uma separação entre o público e o privado e assim, de forma sistemática, o uso privado do que é público. Esse processo vem desde o início da colonização, herdando práticas do Estado Português e que ainda se mantém como um traço marcante da história política do Brasil.
Para Raymundo Faoro, que analisa a formação do patronato político brasileiro, formou-se o que ele chama de Estado Patrimonialista, dominado por um pequeno grupo de pessoas em especial da administração civil que "com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira". (FAORO, 2012, p.12).
Há, em síntese, uma hipertrofia estatal, um Estado onipotente (e onipresente) e "uma ficção: o povo" (p.202) excluído de todo o processo decisório. O que existe de fato é o uso privado do Estado, no qual o nepotismo e o fisiologismo são consequências.
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros aspectos, destaca a ausência de verdadeiro espírito democrático no país (que permanece ao longo do tempo). No capítulo cinco, O homem cordial, mostra como são as relações de sangue e de coração que guiam as suas ações e que a cordialidade faz com que os indivíduos coloquem as relações pessoais à frente das impessoais e nesse sentido, o nepotismo e o fisiologismo são também resultados dessas relações.
Assim, considerando que a democracia e a República têm como uma de suas premissas a isonomia entre os cidadãos, tanto o nepotismo como o fisiologismo as contrariam, daí a afirmativa dele de que na ausência desse princípio, desde o início da colonização e depois da formação do Estado no Brasil "a democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido: "Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fossem possíveis, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas". E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos" (Raízes do Brasil, Companhia das Letras, edição comemorativa dos 70 anos, 2006, p. 176).
Esse processo continuou, com ditaduras (1937-1945) e (1964-1985) e interregnos democráticos. No artigo "Qual é a função política da ignorância" José de Souza Martins se refere ao que chamou de "o estreitamento da via de revitalização da democracia no Brasil" no governo Bolsonaro, afirmando que "Sempre fomos frágeis e mesmo relutantes no compromisso com a possibilidade de uma ordem política democrática" (Jornal Valor Econômico, 8/4/2022). A permanência da ameaça de governos autoritários e fascistas no Brasil com a apropriação privada do estado, não deixou de existir com o fim do seu governo.
Para Sérgio Buarque de Holanda, ao longo de nossa história, houve o predomínio constante das "vontades particulares" que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal, presentes desde os primórdios da colonização brasileira e que continuam presentes na atualidade.
Assim, o fisiologismo (como o nepotismo) são partes integrantes da sociedade brasileira desde o início da colonização, ainda está presente na gestão pública, no qual uma minoria monopoliza o poder e utiliza-se do Estado em beneficio próprio. No caso da Administração Pública, o uso da máquina administrativa em eleições depõe contra a democracia e os ideais republicanos violando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, como estabelece a Constituição Federal de 1988 e para "desconstruir a desconstrução das instituições" como afirma José de Souza Martins no referido artigo, só a construção de uma verdadeira e sólida democracia.
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