Fim do governo Temer?

24/12/2016

Homero Costa, prof. Departamento de Ciências Sociais da UFRN

A delação de Claudio Melo Filho, ex-diretor da Odebrecht, que foi vazada à imprensa, é apenas a primeira de um total de 77 acordos de delação de funcionários e dirigentes da empresa, e teve um efeito devastador para o governo Temer. Um governo que já começou mal: resultado de um golpe, compôs um ministério sob suspeição, com vários ministros réus em processos do STF e pouco depois, afastados [foram seis ministros afastados em seis meses, comprovando a instabilidade do governo]. As denúncias vêm se acumulando e as mais recentes não foram as primeiras e certamente não serão as últimas, mas nesse caso específico, a implicação é óbvia: o presidente é citado 43 vezes nas 82 páginas da delação. Consta, entre outras coisas, [na delação de Cláudio Melo Filho] que em maio de 2014, ele foi recebido num jantar no palácio Jaburu, no qual o então vice-presidente pediu apoio financeiro de 10 milhões para ajudar na campanha do PMDB e que foi entregue, sendo 6 milhões em espécie ao atual chefe da casa civil Elizeu Padilha, o "primo" - citado 45 vezes na delação - no seu escritório em Porto Alegre. Desse total, 1 milhão foi para Eduardo Cunha, o "caranguejo".

A empreiteira fez doações a muitos partidos e candidatos e até mesmo a não candidatos. Só o senador Romero Jucá, o "caju", recebeu 19,9 milhões, Geddel Vieira, o "babel" recebeu (só da Odebrecht) 5,8 milhões e ainda mesadas regulares da empreiteira, além de ser acusado de ter recebido 3% do valor de uma obra. Na lista inicial estão presentes também o senador José Agripino (DEM/RN), o "gripado" que recebeu 1 milhão, intermediado por Aécio Neves, Moreira Franco, "o gato angorá" - citado 34 vezes - e que, segundo o delator, teria pedido 3 milhões de reais em propinas para eliminar a possibilidade da construção de um aeroporto no Rio de Janeiro por outra empreiteira, além de outros, jocosamente apelidados de Boca Mole, Todo-Feio, Índio, Missa, Moleza, Velhinho, Kimono, Bitelo, Corredor, Gremista, Campari, Ferrari, Decrépito, Feia etc. facilmente identificáveis na lista divulgada na imprensa, com os respectivos valores recebidos. E ainda teve 6 milhões para a campanha de Paulo Skaf, candidato do PMDB ao governo de São Paulo, aquele mesmo dos patinhos na avenida paulista e Brasília, que bradava contra a corrupção do governo Dilma!(na prestação de contas do candidato na eleição de 2014, disponível no site do TSE, consta uma receita de R$ 29.207.565,77 e nenhum depósito da Odebrecht).

O caso de Elizeu Padilha é emblemático pela posição que ocupa e porque são muitas as denúncias que tem se acumulado. No dia 17/05/2016, por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo publicou matéria com o titulo "Ministro Elizeu Padilha é acusado de autorizar repasse suspeito" na qual se informa que ele consta como réu em uma ação civil de improbidade administrativa em que é acusado de ordenar o pagamento superfaturado de R$ 2 milhões a uma empresa, quando foi ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique Cardoso (1997-2001): "Na ação, ajuizada em 2003 pelo Ministério Público Federal e aceita em 2013 pela 6ª Vara Federal do DF, Padilha é apontado como 'lobista' que usou do seu cargo para atender a pleitos políticos para pagamentos absolutamente ilícitos e ainda por cima superfaturados". Mais recentemente, no dia 30 de novembro, a Justiça de Mato Grosso determinou o bloqueio de R$ 108 milhões em bens do ministro e de mais cinco sócios em duas fazendas localizadas no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, a 562 km de Cuiabá, por degradação ambiental. Mesmo assim, para o presidente, nada justifica a sua demissão dele nem de outros auxiliares, igualmente citadas em delações da operação Lava Jato.

Mas o fundamental é que a se confirmar as denúncias, mostra o profundo comprometimento de dois dos três poderes da Nação, o Executivo e o Legislativo, com uma empreiteira que afinal, não fazia apenas doações, mas investimento. Afinal, os que receberam dinheiro estariam, em princípio, defendendo os interesses da empresa, alterando ou criando leis e medidas provisórias, por exemplo. E aqui cabe a observação sobre um dos pilares da corrupção, que é a do financiamento privado de campanhas eleitorais, no qual a Odebrecht é apenas uma das muitas empreiteiras, empresas e bancos que financiaram campanhas, tanto em doações legais, como ilegais (o chamado "caixa dois").

Quanto ao judiciário, há pouco, um episódio serviu para ampliar o desgaste da imagem do STF, que foi o caso de uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello afastando Renan Calheiros da presidência do Senado e um dia depois, por 6 votos a 3, ele foi mantido pelo STF, tudo indicando tratar-se de resultado de uma articulação muito mais política do que jurídica. No artigo "Temer é hoje o obstáculo maior à normalidade democrática" (13/12/2016) Mario Sergio Conti afirmou que "O Planalto, o Supremo e o Congresso se uniram para salvar o sistema e incrementar a espoliação." Até a revista Veja fez crítica ("Até tu, STF?") e diz, entre outras coisas que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou abrir mão de suas atribuições jurídicas para fazer política. O que chama atenção é que este é o mesmo STF que impediu que Lula fosse nomeado ministro, por decisão de um deles e que manteve Eduardo Cunha como presidente da Câmara, até que o processo de impeachment fosse concluído.

Quais são as saídas hoje? Manter um governo sem legitimidade, com crescentes índices de reprovação e sem uma base aliada consistente? (há grande insatisfação na chamada base aliada. O PSB, por exemplo, que detém o Ministério de Minas e Energia, enfrenta problemas internos com setores defendendo a saída imediata do governo, posição já explicitada pelo diretório estadual do partido no Rio Grande do Sul). A permanência de Michel Temer na presidência é hoje um fator de instabilidade, e como diz Mario Sergio Conti no citado artigo, "a sua manutenção no cargo é gasolina no incêndio (...). Ele fará com que a crise se alongue e faça mais vitimas. Atiçará os arautos da força" e termina o artigo com um "Fora, Temer".

O que se observa é a desfuncionalidade das instituições, com seus riscos, associada a uma crise política e econômica, e suas consequências: baixa produtividade, recessão, altas taxas de juros, desemprego etc.

Tudo isso cria as condições para a desestabilização do poder político, e para além de uma crise política e econômica, uma crise institucional, cujos desdobramentos são imprevisíveis. Nesse sentido, a meu ver, o perigo é crescimento da direita, de "salvadores da pátria", que aproveita o vazio deixado pela falência da autoridade e da desmoralização do congresso e da desqualificação da política.

Num cenário como esse, como um governo pode aprovar medidas de austeridade como a PEC 55? Como disse o senador Roberto Requião em discurso recente (12/12/2016): "Que moral tem a Presidência da República e o seu Ministério para propor qualquer medida de austeridade, qualquer sacrifício para o povo? Igualmente, que moral tem o Congresso para aprovar uma emenda constitucional que preserva intactos os ganhos do capital financeiro enquanto reduz à esqualidez as conquistas e direitos populares?".

Quanto à presidência da República, afirmou: "deslegitimada tanto pelas denúncias de corrupção como pelas infelizes e erráticas medidas de austeridade e pelo forte impulso entreguista que distingue o núcleo central do poder" defende que "não há outro caminho que a convocação de novas eleições diretas para o comando do Brasil. Não há outra saída. A não ser que a maioria desta Casa e a Presidência da República decidam correr o risco de enfrentar o povo na rua".

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Folha, realizada entre os dias 7 e 8 de dezembro, portanto, antes, portanto, da publicação das denúncias do ex-diretor da Odebrecht, revelou o desgaste do governo. A pesquisa aponta que 51% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo, 65%, o presidente falso, 75% acreditam que o presidente é defensor dos mais ricos, 58%, que é desonesto, 67% que o desemprego vai crescer e especialmente a maioria, 63% são favoráveis à sua renúncia.

A renúncia é possível? No momento, ao que parece, não é. Eleições indiretas? Idem e também não resolveria a crise e seria a continuidade do mesmo governo, da mesma política econômica, com outros atores, porque seria realizado por um Congresso completamente desmoralizado, com altíssimos índices de rejeição e dominado pelo chamado baixo clero (conjunto de deputados e senadores (re) conhecido pela mediocridade e práticas fisiológicas). E mais: até agora, o principal nome cogitado é o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que além de dizer que não aceitaria, não parece ser o mais credenciado porque, entre outras coisas, terminou o mandato de oito anos com altos índices de rejeição, no seu governo o país, segundo Aloysio Biondi no livro "O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado" (1999) teve um prejuízo de pelo menos R$ 2,4 bilhões com as privatizações do patrimônio público dado a "preço de banana" a grandes corporações privadas e é de um partido com vários de seus integrantes, incluindo ministros, governadores, senadores e deputados citados em delações da Lava Jato.

A questão é: caso Temer deixe o cargo, o que acontecerá? Para tanto há algumas hipóteses: a renúncia, o impeachment ou a cassação. O mais provável seria a renúncia, o que poderia ocorrer com a fragilização de sua base aliada e manifestações de ruas contra seu governo, ampliando o desgaste e nesse caso, dois cenários: se for até o dia 31 de dezembro deste ano, assumiria o presidente da Câmara dos Deputados (o "Botafogo" na delação de Claudio Melo Filho) e uma nova eleição deverá ser realizada em 90 dias e haverá eleição direta para um mandato "tampão" até o dia 1 janeiro de 2019, quando assumiria o presidente eleito pelo sufrágio popular em outubro de 2018. Caso Temer deixe o cargo em 2017, quem escolherá o novo presidente é o Congresso Nacional, ou seja, será uma eleição indireta. Nesse caso, para haver eleição direta, só a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda a Constituição) alterando a lei e permitindo a realização de eleições antes de 2018. Mas como isso é possível com esse congresso e ainda mais com Lula liderando todas as pesquisas de intenção de voto? A possibilidade seria com a prisão (provável) de L.

O fato é que, nas perspectivas atuais, mesmo com a aprovação da PEC 55 no Senado, a situação do governo Temer é delicada, perdendo apoios dentro e principalmente fora do Congresso Nacional. É o fim do governo? Josias de Souza, jornalista da Folha de S. Paulo e insuspeito de simpatias com o PT e a oposição ao governo Temer, escrevendo logo após as delação do ex-diretor da Odebrecht afirmou que "O governo de Michel Temer, tal como o presidente imagina existir, já acabou. Ainda que permaneça no Planalto até 2018, Temer será um presidente coxo (...) constrangido e rejeitado (que) promete reformas e crescimento econômico, arrastando as correntes da Odebrecht como um zumbi".

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De uma família de classe média, nasceu em 27 de Março de 1960, no Rio de Janeiro. Talentoso desde muito jovem, artista atuou nos vocais da famosa Legião Urbana, grupo no qual foi também vocalista, violonista e líder.