O possível peso que tirou Belchior do ar

28/12/2016

Por Landim Neto* | Tal como ocorre com a vida (e também com a morte) de grandes ícones da cultura popular, sobre o notável músico cearense Belchior continuam a pairar também uma série de especulações acerca de seu inusitado sumiço do cenário artístico nacional. Ou seja, do seu exílio-óbito voluntário para as gravações e shows pelo país.

Inconformados, fãs lançam teses (algumas muito mirabolantes) sobre seu desaparecimento. Ex-empresários tecem divagações sobrer o ocorrido. A mídia especula... E a indústria da net continua a faturar em cima de sua autorreclusão. 

Quanto a esse último aspecto, matéria da Revista Época de 2013 dá conta de que seus vídeos no You Tube batem 500 mil acessos diários. Sim, mas como saber por que ele sumiu?

Dono de uma personalidade ímpar na música nacional, Belchior nunca teve, artisticamente, o "pequeno perfil de cidadão comum" que traçou no magnífico álbum lançado em 1979. Como que avesso a regionalismos, desde o início de sua carreira procurou dissociar-se das temáticas mais localizadas seguidas por contemporâneos seus do Ceará, como Fagner ou Ednardo, por exemplo. Por outros caminhos, preferiu "andar sozinho" e adotar um estilo urbano, embalado em uma espécie de denso viés filosófico.

"Saia do meu caminho

eu prefiro andar sozinho

Deixe que eu decida minha vida"

LP: Era uma vez um homem e seu tempo, 1979

Seus referenciais sempre foram as pessoas, suas angústias, desejos, paixões, a juventude e seu tempo. E também as metrópoles e a modernidade, com todas as contradições que isso traz, tal como sempre expôs em belas canções, tipo Paralelas, A divina comédia humana, Pequeno mapa do tempo ou Fotografia 3 X 4, dentre muitas outras.

"A noite fria me ensinou

A amar mais o meu dia

E pela dor eu descobri o poder da alegria"

LP: Alucinação, 1976

Além de profundo e habilidoso letrista, violonista capaz e ainda ter seguramente o timbre vocal mais inconfundível da música brasileira, Belchior dedicou sua vida também à pintura, ao desenho, à filosofia, enfim, às artes e cultura de uma forma geral. Consta que é um leitor voraz e fala vários idiomas além do Português. Segundo notas da imprensa, noticia-se também que o artista, em tempos áureos de shows, chegou a fazer até três apresentações por noite.

Assim, voltando às possíveis causas de seu sumiço, não nos parece razoável que Belchior esteja desaparecido, dentre outras questões mundanas, apenas por conta de "influências negativas" de sua atual companheira, como se especula por aí. Ou porque simplesmente, como dizem alguns, "enlouqueceu".

Uma especie de razão intuitiva nos leva a crer que os motivos são outros. Embora as relações do mundo dito familiar possam ter alguma influência (ínfima, em nossa opinião) sobre sua autorreclusão, o caráter singular de sua personalidade artística e a profusão de sua intensa produção cultural é que podem estar por trás do seu afastamento.

O peso disso tudo talvez o tenha cansado e feito com que decidisse sair do ar. As mais de quatro décadas em ação, ao que parece, levaram o querido músico cearense a "angustiar-se tal como um goleiro na hora do gol", e a recolher-se, ensimesmar-se. E isto talvez também para, dialeticamente, buscar um mundo e um fim novos para si, longe do imaginário linear e comum dos que "caminham para a morte pensando em vencer na vida".

Com seu sumiço, o que aliás ele mesmo prenunciara profeticamente em várias de suas letras, Belchior talvez apenas queira nos dizer, como expôs em Todo Sujo de Batom:

Eu estou muito cansado
Do peso da minha cabeça
(...)
Quero uma balada nova
Falando de brotos, de coisas assim
(...)

Que fique em paz, em busca dessa sua nova balada. E que volte quando e se quiser. Será sempre bem vindo. É o que importa.

*Landim Neto edita o Dever de Classe

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De uma família de classe média, nasceu em 27 de Março de 1960, no Rio de Janeiro. Talentoso desde muito jovem, artista atuou nos vocais da famosa Legião Urbana, grupo no qual foi também vocalista, violonista e líder.