O governo Temer e a soberania nacional

09/11/2017

Por Homero Costa, prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN | Num momento em que crescem os escândalos de corrupção, com o presidente Michel Temer e seus aliados mais próximos preocupados apenas em tentar se salvar, responsáveis por uma crise política, social e econômica, que tem gerado insegurança jurídica e retrocessos de toda ordem, no dia 1 de novembro de 2017, o governo emitiu um decreto, n. 9188/17 que regulamenta a lei das Estatais e autoriza a venda sem licitação dos ativos das empresas de economia mista (artigo 1º. "Fica estabelecido, com base na dispensa de licitação prevista no art. 29, caput, inciso XVIII, da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, e no âmbito da administração pública federal, o regime especial de desinvestimento de ativos das sociedades de economia mista, com a finalidade de disciplinar a alienação de ativos pertencentes àquelas entidades, nos termos deste Decreto").

Sem licitação e com a alteração de diversos artigos da Constituição e de leis dando ênfase para a participação de empresas estrangeiras. São 40 artigos que na sua justificativa afirma ter por objetivo "Estabelecer regras de governança, transparência e boas práticas de mercado para a adoção de regime especial de desinvestimento de ativos pelas sociedades de economia mistas federais" e, no entanto trata-se na realidade de um conjunto de ações que podem transferir para controle de empresas estrangeiras setores nacionais estratégicos, iniciada com a venda dos ativos da Petrobras e à entrega das jazidas do pré-sal às petroleiras estrangeiras.

O decreto faz parte de um projeto de desmonte do Estado, dos direitos e conquistas sociais e de um grande plano de privatização, e especialmente da entrega das riquezas do país aos interesses imperialistas. Determina que as empresas de economia mista possam escolher áreas inteiras ou subsidiárias para ser colocada a venda sem licitação e possibilita o leilão e a privatização de todas as sociedades de economia mista como o Banco do Brasil, Eletrobrás e Petrobrás (está em pauta também a privatização da Caixa Econômica). Como disse Eugênio Aragão "a venda das estatais é o derradeiro tiro na dignidade do Brasil". Continua após o anúncio.

Há antecedentes desse processo, como a instalação de uma base americana na Amazônia e os acordos com os Estados Unidos sobre a estação de lançamento de foguetes de Alcântara (Maranhão). Numa matéria assinada por André Barrocal publicada no dia 21/02/2017 na revista Carta Capital, informa-se que o Brasil e os Estados Unidos haviam retomado secretamente as negociações de um acordo sobre o uso de uma base militar brasileira no Maranhão para o lançamento de foguetes norte-americanos. A iniciativa foi do governo brasileiro e mais especificamente do então ministro das Relações Exteriores, José Serra.

No fim do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) houve uma tentativa de acordo nesse sentido. Uma proposta foi elaborada e enviada ao Congresso Nacional, mas no governo Lula e uma nova postura em relação aos Estados Unidos, o governo não aceitou a proposta do governo norte americano, que impunham várias proibições ao Brasil, como o de lançar foguetes próprios na base, firmar cooperação tecnológica espacial com outras nações e investir para o desenvolvimento de satélites nacionais dinheiro obtido com o acordo. Além disso, só eles teriam acesso às instalações da base de Alcântara. Para Roberto Amaral, então ministro de Ciência e Tecnologia o acordo contrariava os interesses nacionais e afetava a soberania do país.

Com o governo Michel Temer, as negociações foram retomadas. Fundamentalmente, houve uma mudança radical na orientação da política externa, de modo a subordinar a atuação geopolítica do Brasil aos interesses dos Estados Unidos. Há outros exemplos, como a transferência, à iniciativa privada, do monitoramento de atividades na Amazônia executado pelo INPE - Instituto Nacional de Pesquisa Espacial e a extinção da RENCA (Reserva Nacional do Cobre), área estratégica preservada nos Estados do Pará e do Amapá, para entregá-la a grupos estrangeiros.

No entanto, o mais dramático em meio a tantos retrocessos é que a sociedade não se move, como disse o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão("O que estamos esperando? 5/11/2017). O povo "Aceitou sem reclamar a derrubada da presidenta eleita por um legislativo ganancioso, vem aceitando arroubos malcriados de juízes e até ministros do STF fora dos autos (...) aceita provocações e mais provocações de um bando que se intitula governo sem qualquer legitimidade. Sem reagir. Como se fôssemos todos feitos de goma elástica, sem espinha dorsal (...) o usurpador do Executivo vendendo o que é nosso para se safar da justiça, ao mesmo tempo em que ricos delatores são, depois de confessados seus crimes e inculpados os alvos políticos da investigação, deixados em paz, a curtirem seu uísque de 30 anos no novembro tão azul quanto o rótulo da garrafa da ilustre bebida. (...).

E conclama a resistência: "O que falta fazer para tirar o traseiro do sofá, para tirar os dedos do smartphone e reagir? Quando nos atentarmos para o estrago, será tarde demais e o Sr. Temer nada pagará, porque estará descansando em paz com seu bilau televisado. Mas nós teremos saudades do tempo em que poderíamos ter dado um rumo diferente a nosso destino e não demos. É melhor reagirmos. Antes tarde do que nunca". Para Mino Carta "Nunca o Brasil viveu tempos iguais aos desencadeados pelo golpe de 2016, nem mesmo nos 21 anos de ditadura... um governo que tudo faz para "transformar o Brasil em Estado mínimo neoliberal, sujeito às conveniências de Washington e do capital estrangeiro (...) para favorecer ricos e superricos em nome de um internacionalismo que agrada apenas ao capital. Haveria de ser à hora da indignação e da revolta, mas, diante da inércia do povo espezinhado, da resignação dos trabalhadores, da ausência de lideranças, sobra é a desesperança".

No Congresso Nacional uma minoria luta contra o retrocesso. Expressão disso foi à formação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional. Criada em Junho de 2017 em Brasília, é composta por 201 deputados e 18 senadores e tem entre seus objetivos principais "a defesa da exploração eficiente dos recursos naturais e a promoção de infra-estrutura capaz de promover o desenvolvimento do país". No ato de sua formação divulgou uma carta dirigida a Embaixadores e investidores no Brasil na qual afirma que "o povo brasileiro não deu procuração ao atual governo para realizar qualquer privatização. Não reconhece a validade política e jurídica da venda de patrimônio público realizada no governo Temer. Pior, o povo brasileiro, com toda a razão, suspeita que essas privatizações foram e são feitas com subornos, corrupção, trapaças e ilegalidades. Além da violação de nossa soberania pela entrega de nosso patrimônio nacional, condenamos ainda a retomada da subordinação geopolítica, com o anúncio de exercícios militares na Amazônia, com a participação dos Estados Unidos. Tal fato põe em risco não apenas a soberania brasileira e a segurança do continente, como também afeta profundamente a autonomia da América Latina construída nos últimos anos em parceria com os diversos governos da região".

Para o presidente da Frente, senador Roberto Requião (PMDB/PR) as privatizações realizadas pelo governo Temer poderão ser revogadas a partir de consulta popular, a ser realizada após a sua saída (caso tenhamos eleição, claro, e um governo comprometido com os interesses e aspirações do povo brasileiro) e também afirmou que o governo vende a soberania nacional "a preço de fim de feira" com o objetivo de conseguir apoio para permanecer no poder, em meios às denúncias de corrupção.

Hoje o imenso desafio é como reagir à dilapidação do patrimônio nacional, do avanço dos retrocessos, fortalecendo a luta nas ruas e das iniciativas como as da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional.

LEIA TAMBÉM: